quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

domingo, 12 de setembro de 2010

Dos Males do Ser Humano IV: O Ócio


Oi... tudo bem? Eu estava aqui pensando nas coisas da vida... Nem vi você chegar. Não tenho muita coisa pra dizer. Ultimamente tudo tem simplesmente acontecido. O tempo é longo demais. As frases, curtas. E sempre quando acordo... É estranho, porque não lembro exatamente se as coisas que me acontecem durante a noite são reais ou se fazem parte dos sonhos - ou pesadelos - que tenho enquanto não estou acordado.

Os que tenho quando não estou dormindo - mesmo os sonhos - são... muito piores.

Não sei se estou tomando seu tempo com essa conversa, mas é que não estava fazendo nada quando você chegou aqui. E, sabe... Presenciei algumas histórias que me trouxeram um sentimento meio triste. Nada a ver comigo, claro. Coisas dos outros. Ultimamente tenho sido mero expectador das coisas que acontecem ao meu redor.

No começo interessava, até. Mas depois foi ficando angustiante...

Daí vem aquela brisa que toca meus cabelos sutilmente. E já sei a cena seguinte: a chuva. E, quem sabe se ela simplesmente caísse, e eu não corresse para me abrigar? Gostaria muito de ter feito isso... Ah, você não precisa saber com quem, mas eu gostaria sim... Imagina só todas as coisas que duas pessoas podem fazer juntas! Ou uma pessoa só, num monólogo, num lugar distante... Imagina... E... É isso, acho que estou imaginando demais. E estou muito reticente com a vida, também...

A vida? Sim...
Mas com quem estou falando? Não há ninguém aqui... A estrada vazia, o céu repleto de nuvens... As estrelas estão todas cobertas hoje. As estrelas estão... Todas... Cobertas, hoje.

Vai entendê-las! Hahaha... Entendeu? É poesia, não precisa entender! Ninguém precisa... Ninguém vai sentir, também... Não o que eu sinto, que é meu, como eu, que não está à venda e nem impresso num cartaz...

Ei, amigo, espere! Perdoe este sarcasmo, é só uma ponta que não quis transformar em amargura dentro de mim. É... isso. às vezes essas coisas aparecem assim e se vão, de repente... Idiota. Era só um saco plástico voando com essa ventania de agora... O que será isso? Acho que é prenúncio do fim do mundo. Um dia vai acabar, mesmo. Bom... Mas meu cigarro já acabou. Chega disso.

(Voltou, da calçada, para junto dos outros palhaços; mais uma noite de apresentações, casa cheia. Ao longe, a menina que dançava sozinha olhou para O Circo; um oásis de iluminação dentro daquele breu que era aquele mundo de sombras e sonhos; suspirou e seguiu seu caminho).

E foi tudo tão somente uma cena...

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Dos Males do Ser Humano III: Indiferença


De manhã cedo... Ela acordou. A menina que dançava sozinha na noite anterior... Mas hoje ela não acordou pro Sol. Não acordou para trabalhar e nem para sua dança.

O circo estava cinza-pálido... Névoa, dia nublado.

Nuvens ou a fumaça dos palhaços que fumavam, jogavam pôquer e dormiram de tanto beber depois do espetáculo... Ou o cinza de alguém que simplesmente esqueceu de pegar a aquarela para pintar a alvorada?

Não sabia exatamente o que responder... E também nem se importava. O dia avançava e seguiam as horas... O tempo passava e era apenas mais uma piada naquele circo. O Tempo.

O Tempo ali não passava nunca...

E a menina, num passo de dança, tocou os céus e depois avistou toda aquela inútil paisagem, enquanto um anjo quebrava a casca inútil das horas (como disse o mesmo poeta que um dia citou o dançar da menina)

Alguém espirrou. O vento soprou, despreocupado. Ali no canto, o barulho de alguns copos descartáveis. Era uma garoa mesmo, ou apenas o sereno? Cinco pras seis... Ali, uma linha limite entre todo mundo que acabou de dormir e quem já estava pra acordar esperando apenas o primeiro fio de cor despontar no horizonte.

E ela ali, só. Indiferente a tudo e a todos... Desde aos meio-fios das calçadas que cercavam o circo, rodeando as ruas que não levavam pra canto nenhum... Até o canto de alguns pássaros que ali também não havia... Dançava

E contemplava a pior morte que conhecera: a morte do amor pela indiferença, e não por ele mesmo.

[... e a propósito, as flores da foto são lírios. Olhai.






domingo, 29 de agosto de 2010

Interlúdio

Versos de Miguel das Sete Estrelas (violeiro do Circo...)


Estradeiro, divino cavalo no caramanchão

Deixou velha vida de trovas e doce cantar

Cansou da viola afinada de alegre canção

E pôs-se à beira da estrada, horizonte ganhar.

Cansado da lua, da noite, do mundo e da morte,

Saiu a galope buscar apenas solidão

Pois como na vida quem sabe é só Deus ou a sorte

Se viu necessário nas trilhas fazer o bordão...

Mas a verdade é que a donzela que o esperava

trocou a sua viola e o seu coração

não queria do amor ser mais uma escrava

e não sabia que não há mais bela escravidão...

Foi quando o estradeiro divino descobriu a sina

Que as asas de arcanjo em serpente viriam contar

E aquela donzela sonhosa com olhar de menina

Faria na vida e no mundo não ter mais o que olhar

E assim feito um pássaro, um anjo, desistiu das asas

E como o Assum-Preto da história de triste cantar

Não mais a donzela tão linda veria em sua vida...

Pois nada mais como ferida de amor enxergar...

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Dos Males do Ser Humano II: Falha de Comunicação

A menina bailarina dançava sozinha por um momento, como já dizia um poeta... Olhava para o nada, tão ausente e despreocupada... Mas na verdade não queria realmente era estar dentro de si mesma. Ah, mas me contaram o que aconteceu...! Brigou com o Malabarista porque este não foi ao seu encontro como de costume. E sabe por quê? Estava preocupado demais em conversar com aquela sem graça da Trapezista, que mal tinha tempo de falar-lhe entre um salto e outro. Mas ele estava ali esperando alguma acrobacia que o impressionasse! No entanto, o seu jogo acrobático continuaria indefinidamente, já que o Palhaço falara sobre a grande atração do Malabarista por piruetas. Engraçado! Não conseguia ter atração maior por aquela que, por um momento, sozinha dançava - com os pés no chão. Talvez não só por isso... Era uma garota de poucas palavras. Não estava acostumada a prolongar os diálogos... Tem coisas que a gente simplesmente sabe, e que não precisam ser ditas. E ficava sempre aquela sensação de incompletude...

Incompletude. Era um assunto que ela pouco lhe falava. Por isso ele não mais esperava que algo fosse dito sobre toda a situação. E, assim, ela acabou indo embora sem falar nada.

Ficou um silêncio cortante no picadeiro....

Alguém, por detrás da lona, ria sozinho.

domingo, 22 de agosto de 2010

Dos Males do Ser Humano I: Solidão


Então de súbito entrou no picadeiro. Uma leve desarrumação. Horas antes de começar...? Ou... Horas depois?

De súbito também percebeu que não estava só ali: havia o vento, e com ele música e algum sentimento distante, perdido. Caminhou pelo cenário; malabares, canhões, cordas, bolas, maquilagem... Que horas são? É preciso ir, mas... Ir para onde? O que estou fazendo aqui? O que estou fazendo realmente aqui? Talvez seja só impressão. Talvez ela nem esteja mais aqui. Não... Ou sim. É sempre uma grande dúvida, uma grande dúvida, uma grande... E isso dói. Dói. Porque é sempre algo mais, algo mais, algo mais... Seja como for. O importante é que estou aqui. Esse vento me traz música, mas... Não posso negar que me tem sufocado. Dá para imaginar? Andou de um lado para o outro. Era sempre assim quando perdia algo: uma enorme confusão que envolvia até mesmo o eu lírico.

E... O que vim mesmo fazer aqui? Ah, só um detalhe. Estava procurando alguma coisa por aqui que há tempos perdi. Mas... O que era mesmo? Grande! Maior problema é não conseguir encontrar as coisas. Muito maior do que perdê-las. Mas estamos aqui para isso, certo? Então, voltando ao ponto... Onde estava mesmo? Sim... Bem aqui, dentro de mim... Bem dentro de mim... Mas não é só saudade, não... Saudade... De quem? Parou por um momento. Notou que estava ofegante. Notou que chorava. A maquilagem estava borrando! Meu Deus... O que fazer? O que fazer... O que fazer... Sim! Sorria. Tudo não vai passar de brincadeira. Ou encenação. Encenação... Sim! Ela dançava ou atuava? Talvez os dois... Se cantasse, também, nada o envolveria mais. Não haveria melhor veneno. Ela girava, girava... E talvez fosse isso que estivesse mexendo com a sua cabeça. A cabeça... Ah, agora... Algo para apoiar-me, está tudo girando! Não... da próxima vez será diferente. Mas eu caí mesmo lá de cima? E... essa maquilagem? Quem era eu, hoje? Quem era... Ela? Tinha um sorriso tão bonito... Onde ela foi? Onde... De súbito a luz se acendeu. Aquela claridade... (sorriu) E, na contraluz, era ela! Tão clara... mas tão distante. Tão perfeita... Mas tão errada. E tão cruel... Por que você não está aqui? Porquê! Da próxima vez, me faz acreditar... Mas, acreditar... No que? Espere... preciso retocar a maquilagem. O espetáculo está para começar! Não, espere... O espetáculo já acabou há algum tempo... Será que tem muita gente lá fora? Sempre fico nervoso nas estréias! Sempre fico... Sempre...

De súbito voltou-se para as arquibancadas e viu a si mesmo, no alto, distante, aplaudindo. Não era um momento antes e nem após o espetáculo: ele acabara de acontecer...